O mundo é “bão”
Sim esta é uma coluna de negócios e não de autoajuda, nem de música. Mas o trecho dessa música caiu como uma luva para o título do assunto que hoje quero falar aqui na Gestão Prática. Sem ser o objetivo principal, quem sabe vai ele ser de autoajuda e para pessoas de negócios?
Sempre me incomodou ouvir frases como “No Brasil os negócios precisam sonegar…”, “Brasileiro não tem jeito…”, “Impossível fazer carreira neste país…” estas frases não são sem motivo, mas cometem o pecado da generalização. Usar generalização é tão perigoso, que nos vicia, nos cega. Vai aos poucos criando uma visão irreal – ou pior que a real – para ser seguida.
Vivemos um grave e delicado momento no Brasil, em diversos âmbitos. Isto é um fato e não há o que questionar. É de fato um ambiente empresarial exigente. Entretanto é também fato que aqui tem muitos negócios que dão certo mesmo assim, tem muitos empresários que fazem dar certo mesmo assim, tem muitos que passam por muitas dificuldades, muitas, mas estão no mercado.
Estive morando em Portugal nas últimas 8 semanas. Fui estudar, convivi com pessoas de várias culturas, nacionalidades, origens e pude observar diversas coisas do mundo. Em resumo, a conclusão que eu tirei foi que está tudo certo. Há um caminho. O mundo pode ser “bão”, se as pessoas forem. E antes que você atribua o motivo da minha afirmação ao fato de eu estar falando da Europa, já adianto: não estou falando sobre infraestrutura, nem condições do estado, nem tecnologia, é sobre pessoas e suas ações. É sobre um aspecto muito específico em cada pessoa que não depende que ela tenha, mas ela seja. É sobre civilidade. E civilidade, meu amigo, só depende de ser.
Eu vi todos os tipos de exemplos positivos e negativos sobre ajudar o mundo a ser “bão”: Vi professor que dá aula com responsabilidade, seriedade, respeita o horário e sabe ouvir e de fato educar. Vi professor que deixa a hora passar, dá instrumentos para avaliação apenas, não se preocupa com a formação crítica do sujeito. Vi gente educada, sendo brasileira, portuguesa ou qualquer outra, que recolhiam sua bandeja após almoçar para facilitar o fluxo do refeitório. Vi outras que não se preocupavam com esta simples ação. Vi gente de toda nacionalidade furando a fila do almoço! Ué. Vi funcionário de toda origem ser interessado, disponível e sorridente. E vi o contrário também. E me vem na cabeça aquela frase generalizada que talvez habite o inconsciente coletivo brasileiro: “Ah mas trabalhar “lá” é fácil. Todo mundo quer trabalhar, impostos mais baratos, patrão trabalha menos. Fácil atender sorridente.”
E não é bem assim. Conheci o Sr. Vitor, dono de um empreendimento que ficava aberto das 7 às 23 horas, na praça da universidade. Eu passava pelo menos 10 horas estudando e nestes dias todos me pude experimentar vários horários da Confeitaria Jardim Real. E o Sr. Vitor, meus amigos, com talvez seus 45 anos de idade, estava sempre lá. Sempre em operação, como qualquer outro funcionário do seu estabelecimento. Conheci a Ana, que na véspera de eu voltar para o Brasil foi limpar o apartamento onde eu estava às 21 horas, depois de trabalhar os outros dois turnos do dia, o sorriso era igual em seu rosto. O esforço a mais não dependia da nacionalidade, ela é uma portuguesa, mãe de família, que trabalha pra caramba também.
Há de fato imensas diferenças entre o Brasil e Portugal. Trabalha-se muito na Europa também. Não é um sonho, é bem real. Tem todo tipo de gente e todo tipo de comportamento. Mas percebo ali uma atmosfera de sol pra todos, sem a ilusão de que ali a vida é mais fácil. Não é não. Tem gente disposta a trabalhar e gente não disposta a trabalhar. Tem gente correta e tem gente que prefere o caminho mais fácil.
O que me chama a atenção é a proporção de pessoas mais dispostas e a ausência da generalização. Talvez pela maioria – de modo geral – fazer sua parte, aumenta-se a confiança no todo. E este é o grande “calcanhar de Aquiles” do nosso Brasil na minha opinião: o fato das pessoas desistirem de serem boas, honestas, sinceras, esforçadas, atenciosas, amigas, agirem de boa fé, serem trabalhadoras… por acreditarem que brasileiro não tem jeito, é grave. São estas ações que fazem culminar a civilidade, pequenos atos que fazem o ambiente de empreender melhor, o ambiente de se viver melhor.
Ampliar o olhar em relação ao mundo é voltar para si a responsabilidade, entendendo que num contexto favorável ou mais exigente, precisa-se ser gente. O que faz a diferença nos resultados em qualquer lugar do mundo, definitivamente é o modo de agir das pessoas – em primeiro plano individualmente – que reflete depois no todo.
E aí, que tal ser cidadão agora mesmo onde você estiver? Isto melhora o ambiente de negócios. Vai por mim.
Texto publicado na Ed. 115 da Revista Gestão & Negócios.
Cecília Bettero é administradora, empresária na área de consultoria e treinamento, especializada em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, Mestranda em Ciências da Comunicação pela UFP-Portugal // Leia, comente e compartilhe todos os artigos anteriores no site www.ceciliabettero.com.br
Boa noite e parabéns pelo artigo. Pena que não tenha conhecido o interior de Portugal ou algumas cidades pequenas. Aí poderia apreciar a generosidade de um povo e a sua simplicidade. Bem haja.